terça-feira, 24 de junho de 2008

ESCOLA PÚBLICA








Domingo de sol, mas a brisa soprava fresca na redondeza. Pedrinho acordara cedo para ir ver a roça e Ritinha já começava os preparativos na cozinha. Matou duas galinhas, que estavam há dias no chiqueiro para limpar e engordar. Na roça é assim: As galinhas são criadas soltas, mas quando chega a época de abater, colocam num galinheiro, que chamam de chiqueiro, que é para limpar, ou seja, livrar das impurezas que tenham comido pelo mato afora. Durante essa quarentena a alimentação é dobrada, com restos de comida e milho, para engordar. É muito comum se ouvir um vendedor de galinha dizer: “- É gorda de chiqueiro”, se referindo a esse modo de tratar.
Por volta das dez horas começam a chegar os primeiros fregueses, uns à pé, outros à cavalo, de bicicletas e até motos. Os cumprimentos de praxe, perguntas pelas famílias, pelas roças e pela criação. Notava-se entre eles um ar de satisfação, motivado pela razoável quantidade de chuvas caídas na época. As roças estavam em plena produção, os açudes cheios, o pasto no ponto certo e os animais gordos, com as vacas produzindo bastante leite. Mané ferreiro disse que trabalhou a semana inteira batendo enxada, foice, chibanca e outros ferros. Pedrinho já colocara os copos na mesa e abria uma garrafa de cachaça. Na primeira rodada chega Chico da Barra, que vai logo se abancando e pegando um copo, após os cumprimentos, quando Zuzu pergunta pelas novidades.
- E aí, compadre Chico, como tão as coisa?
- Tão que nem carne da pá, nem boa nem má!
- Como vai o movimento lá na cidade?
- Ih, compadre! É uma caristia só, mas o pió é o pobrema dos nosso fio nas escola!
- Pobrema como, compadre? As escola fechou?
- Não, mas quaje! Vocês se alembram que no fim do ano as muié foram fazê as matrica pra mode os menino estudá. Tinha vaga pra todo mundo. Adispois foi atrás de condução. Até aí tudo bem, só que as escola num tão foncionando direito nem os transporte tem todo dia. Acho que as prefeitura num tão recebendo dinheiro pra mode manter as despesa. Meu arreceio é que os fio da gente fique sem estudar, que nem nós. Naquele tempo num tinha escola, nós aprendia no sítio com uma professora particular, durante seis mês e pronto. Leu, escreveu e fez as quato operação, era bastante. Mas eu num quero isso não. Quero vê, pelo menos, um deles dotô. A coisa num tá boa. O governo garante que tem vaga, mas num tem professora, num tem carteira, nem condução. A situação do póbe é sempre a merma, viver na miséra. A gente só pode esperar por Deus.
Os outros concordam e lamentam a situação, ingerindo uma “talagada”, como para afastar os pensamentos ruins. Zé do Pacuti, que ficara calado, após tomar um gole, falou:
- Meus amigo, isso num tá acontecendo só aqui, não! É no Brasil inteiro. Nas cidade grande, quem tem dinhêro, paga transporte pros fio e as escola particular. Quem num tem, tem que se sujeitá a andar à pé e percurá escola perto de casa. Agora veja a diferença dos transporte: Nas cidade só pode andar de carro fechado, com segurança, fiscalizado pelo DETRAN e com licença das prefeitura. Agora, pra quem mora na roça que nem nós, as prefeitura contrata camioneta D-20 e ¾ (F-4000). Adispois coloca uns banco de madeira, cobre com uma lona, fazendo igual aos pau-de-arara, do tempo antigo, que carregava gente pra São Paulo. Aquele monte de estudante, em riba desses carro, sem segurança nenhuma, arrisca a vida todos os dia. A gente fica em casa rezando, pedindo a Deus pra que eles chegue direitin. Vez por ôta a gente tem as notiça de desastre. Um tempo desse, aqui bem pertin, um desses transporte bateu em outro e morreu 13 estudante, que vinha em riba desses carro. Na hora todo mundo reclamou, as autoridade fizeram discusso, até o governadô apareceu, prometendo que isso ia mudar. E cadê? Três ano adispois, continua do mermo jeito. Nos interiô, do Brasil afora, continua do jeito que era. Os pai só dorme quando os fio chega. A mãe num solta o terço, rezando pra virge Maria cuidá deles. As prefeitura recebe dinhêro, mas ninguém sabe pra onde vai. Sabe o que tá acontecendo? A merma coisa que aconteceu com nós: aprendê em casa e ficá sem istudá, porque os pai num tem corage de ver os fio arriscando a vida nos pau-de-arara. Até os menino diz que num qué morrê cedo e continua tudo na roça.
Nesse momento Chico da Barra intervém:
- Mas compadre, lá na cidade tão dizendo que o governo federá, vai comprá um monte de bicicreta pra dá pros estudante, assim resolve o pobrema do transporte e ainda amióra a saúde dos menino!
Zé toma mais uma, baixa a cabeça, como procurando resposta, e fala:
- E você acha que isso vai arresorvê, compadre? Quanto tempo dura uma bicicreta? Rodando três ou quato légua por dia, no fim do ano tá acabada. E quem vai pagá conserto, pneu e arguma peça que quebrá? Num é uma saída do governo pra se livrá dos transporte? Muitas dessas bicicreta vão sê tomada dos menino, pelos bandido. Todo dia eu vejo na televisão. Na cidade grande ainda tem quem recrame das autoridade, mas nós, nos sitio, é mermo que gritá no meio do mato. A segurança nas escola é nenhuma. Basta a gente passá na frente pra vê o dermantelo. É janela quebrada, porta arrombada, risco de tinta em toda parede, cabra vendendo maconha, briga de aluno, professora apanhando de aluno e num tem quem faça nada. O desvio de dinheiro é grande. Teve um prefeito, lá no Maranhão, que comprô vinte e dois mil quilo de carne pra merenda, justamente nas féria dos aluno e a nota fiscá tava no nome dum empregado do matadô, do pai do presidente da câmara dos vereadô, conhecido como Zé do Bode. As escola desse municipe num tem merenda, cartêra, professora e as turma aprende na merma sala, tudo junto, com a merma professora. Transporte? Isso nem se fala. É no onze mermo. (onze é uma forma de dizer que é à pé – as pernas formam o número 11). Tudo vai continuá assim inté que a gente aprenda a votá num político honesto. Nós paga imposto de tudo, mas na hora de vortá pra nós, a verba desaparece. A arrecadação aumenta todo mês, mas o governo qué criá mais imposto, dizendo que num ta dando. Eles tão lá, os senadô, os deputado, os ministro, tudo no bem bom. A despesa de um deputado dava pra construir muitas escola e pagá muitos professô num ano, mas não, eles tem verba para comprá palitó, gasolina, muitos assessô e ainda, se a madame num gostá do apartamento do governo, tem verba pra pagá alugué de casa. E quem paga isso? Nós. Um dia desse um deputado falô que os pobe num pagava CPMF. Ele pensa que nós semo idiota. Deputado, nós num paga direto no banco, mas os comerciante coloca nas mercadoria que a gente compra. No fim sai do nosso bolso. Nós samo da roça, mas num samo besta não. Nós vamo continuá pagando e as escola vão continuá sem merenda, cartêra, professora, transporte, segurança e quem se arriscá ir nos pau-de-arara, continuá morrendo. Se nós quizé vê um fio formado, vamo tê que rezá muito. Inleitô anarfabeto é que nem burro de tropa, vai pra onde o tropêro mandá e aí os político aproveita. É aí que eles aparece e conquista o coitado, fazendo favô. Uma feirinha aqui, uma reforma na casa ali, uma geladêra acolá, duas caçamba de terra na estrada da roça e assim por diante. Desse jeito os coitado fica tudo inludido, pensando que receberam favô. Num sabe eles que quem deve favô é o político que recebeu o voto.
Nesse momento o ambiente é invadido por um aroma inconfundível de galinha guisada e Ritinha grita lá de dentro: - Pedim, tá pronta! – Pode trazê! Responde. Logo ela entra com uma bandeja com a galinha e farofa de cuscuz, interrompendo a conversa dos fregueses.
- Eita muié pra conzinhá bem essa sua Ritinha, Pedim! Falou Ciço.
- Aprendeu com dona Luzia, a mãe dela, que faz uma galinha com feijão verde pra ninguém botá defeito. Foi isso que me pegô!
Ritinha lança um olhar de reprovação para Pedrinho e a turma cai na gargalhada.
No meio dos comes e bebes, Mané Ferreiro falou: - Compadre Zé tem razão, ou nós aprende a votá ou vai continuá do mermo jeito a vida toda.
- É verdade, compadre! Mas um dia a gente chega lá. Vamo começá insinando a nossos fio, que um dia esse Brasil muda!
A conversa se prolonga até mais tarde, até que todos se retiram para suas casas, com a esperança de que seu filhos mudem a paisagem política do nosso país, já que eles não conseguiram até agora. A esperança é a última que morre e esses homens sofridos, de mãos calejadas, nunca a deixaram morrer.





Petronilo Filho
João Pessoa, 24/06/08