quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE




Mês de outubro. O calor, estafante, no sertão, se faz presente com temperaturas altas. A comunidade acordara animada para comemorar o dia da criança no grupo escolar da localidade. A criançada estava eufórica, pois a festa iria ter muita brincadeira, competições esportivas, comidas e o melhor: não haveria aula. Os pais também estavam animados, pois além de fazerem a felicidade da criançada teriam a visita de um ilustre conterrâneo que havia saído de lá, se formado na capital e iria fazer uma palestra no galpão da escola. Esse ilustre convidado era o Dr. Dedé de Seu Severino, um jovem que se intitulava de matuto, pois havia saído da roça, mas a roça não saiu dele. Sempre que tinha oportunidade deixava seus afazeres na cidade grande e ia descansar no sitio onde nascera e aproveitar para cumprimentar os amigos na bodega de Pedim. Era uma figura muito admirada por todos, pela sua simplicidade e maneira de tratar seus amigos, sempre dando valor às suas raízes.

O pátio da escola estava cheio, pois os moradores da redondeza vieram prestigiar esse evento. As crianças se divertem muito com as brincadeiras, jogos, competições e, no final, o lanche tão esperado. Às dez horas chega o Dr. Dedé, cumprimenta todos, abraça muitos, num clima de muita alegria, e depois se dirige ao lugar indicado para a palestra. Todos acomodados, ele inicia:

- Caros amigos; Em primeiro lugar quero agradecer a Deus por me proporcionar estar, mais uma vez, aqui neste lugar que tanto amo e onde nasci. Quero agradecer a presença de vocês, das suas famílias e pelo convite, honroso, para fazer esta palestra. Isto é para mim motivo de muito orgulho, vaidade e alegria. Creiam-me: este matuto, morando afastado do convívio de vocês, nunca esqueceu suas origens e se sente feliz quando aqui se encontra.

Bom, hoje estamos comemorando o dia das crianças, evento este criado pelos homens para homenagear nossos filhos, aqueles que nos substituirão, assim como fizemos com nossos antepassados. Vemos estampada, no rosto de cada um, a alegria deste momento. Muito se tem feito pela criança neste país, porém ainda é muito pouco do que vemos na realidade.

Este ano o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA está completando 20 anos, um dos documentos mais bem elaborados para o bem estar dos mesmos. Muita coisa se conseguiu com isso, mas ainda falta muito. Para que isso funcione, de verdade, é necessário que as leis sejam aplicadas, fiscalizadas, mas para isso tem que ter políticas públicas de assistência aos jovens e suas famílias. A retirada das crianças do trabalho pesado foi um grande avanço. A obrigatoriedade escolar também, mas o estatuto só prevê a criança que tem família. Milhões delas perambulam pelas ruas deste país, sem nenhuma assistência, a mercê de traficantes e de pedófilos. Os programas assistenciais não são fiscalizados e muito dinheiro é gasto em vão. Muitas delas vivem se drogando e para isso roubam, assaltam, matam e agridem os familiares para obter dinheiro para comprar droga. Quando são flagrados na rua, são levadas para uma delegacia e depois devolvidas à rua porque não têm para onde levá-las. Grandes cidades, como São Paulo, têm lugares onde vivem centenas delas fumando e assaltando os transeuntes que, inadvertidamente, passam por ali. São as conhecidas cracolândias. Quando a polícia os expulsam do lugar, logo vão para outro e lá permanecem até nova incursão. As casas de recuperação de drogados são particulares e só podem fazer tratamento os que podem pagar, ficando os indigentes por conta do Deus dará. As calçadas dos lugares públicos, os sinais de trânsito, as praças e shoppings estão cheios delas. As senhoras não podem mais sair de casa portando bolsas ou celulares, pois são alvos fáceis para esses pequenos delinqüentes, isto é, infratores. Todos os dias vemos pelos canais de TV o trabalho da polícia na tentativa de coibir tudo isso, mas são barrados pela lei. Esses jovens, orientados pelos maiores, conhecem mais do que eles os seus direitos e se algum policial usar de força eles batem com a cabeça na viatura, provocam pequenos ferimentos em si e depois acusam os policiais, que terminam sendo punidos por isso. Outro dia um jovem de 15 anos foi detido por praticar assaltos. Ele era acusado de, pelo menos, 50, em uma semana. Quando foi abordado pela polícia revidou com tiros e terminou sendo ferido. Ao repórter ele declarou que iria se vingar do policial que atirou nele e alegou que o mesmo ainda lhe batera no rosto. Quando perguntaram o motivo de viver nessa vida ele declarou que não tinha família, que ninguém lhe dava nada e nem emprego. Ele tinha tentado trabalhar, mas sempre foi negado, pois os possíveis empregadores alegavam que a lei não permitia empregar menores. Diante do desespero da fome resolveu assaltar. Esse jovem já deve estar novamente na rua e será mais uma vítima da violência. Breve estará fazendo parte da estatística dos assassinatos de autoria desconhecida. Há pouco tempo dois jovens assaltaram uma casa em que estava havendo uma festa de aniversário. Um deles, o que estava armado, se descuidou e saiu para a calçada. Os moradores fecharam o portão e mataram o outro de pancadas. Este tinha apenas 15 anos. A falta de segurança e a descrença da população na justiça, leva cidadãos a se bestializarem e cometerem crimes de proporções tão violentas. Outro jovem foi apreendido, praticando assaltos. Quando foi indagado como adquiriu a arma ele confessa que foi na feira do rolo, uma espécie de troca-troca, por cem reais. Indagado sobre a origem do dinheiro ele disse que foi do programa pró-jovem que recebe do governo. Na capital, só este ano, foram assassinadas mais de trezentas pessoas, sendo em torno de 90% de jovens, entre 14 e 25 anos, e 95% têm relação com drogas. Os traficantes não estão mais se expondo. Eles estão usando as crianças como aviões, ou mulas, assim são chamados os que transportam as drogas para entrega, porque sabem que são inimputáveis e se forem aprendidos logo estarão nas ruas à disposição deles. Pais e mães de família, desesperados, apelam para as autoridades, mas sem muito sucesso. O único apelo é rezar e pedir a Deus para não ver seu filho morto por traficantes, assim como foi o filho do vizinho. Querem descriminalizar as drogas, inclusive teve ministro participando de passeata, alegando que sendo legal não vai haver mais crime. Isso é uma maneira de desviar mais dinheiro, pois sem crime não há necessidade de prisão e sem prisão não tem despesa de segurança. Como estão enganados. Se vai economizar na segurança o gasto vai ser muito maior na saúde, pois com a droga liberada o consumo aumenta e com isso as doenças causadas por ela. Todo político sabe que a prevenção é o melhor remédio, mas alegam que não há dinheiro e o gasto com a repressão fica muito maior. O dinheiro que se gasta num presídio daria para manter muitas escolas, mas as escolas de hoje não estão mais educando ninguém. Lembrem-se que no nosso tempo não tínhamos escolas por perto e aprendíamos com um professor particular, contratado por nossos pais, que passava seis meses nos ensinando numa sala improvisada em uma das casas. Depois desse período nós sabíamos fazer as quatro operações, ler e escrever. Iniciávamos com a carta de ABC e terminávamos com a Cartilha do Povo. Hoje, mesmo com o ensino moderno, muitos saem do fundamental sem sequer assinar o nome e, como não podem ser reprovados, terminam na universidade através de cotas raciais ou por virem de escolas públicas. O custo de um presidiário é dez vezes o custo de um aluno na escola pública, sem falar nos gastos processuais com o judiciário. Enquanto o presidiário recebe mais de um salário mínimo para a família, as outras recebem R$ 22,00 por cada aluno na escola, com um limite de três. Se o mesmo dinheiro gasto nos presídios fosse gasto na educação infantil, não teríamos tantas crianças na rua e na marginalidade. Em todas as estradas do Brasil a prostituição infantil está presente. Só nas rodovias federais são quase dois mil pontos. Muitas vezes encontramos crianças levadas pelos próprios pais para se prostituirem a troco de dinheiro para alimentá-las. Quando eu vinha para cá parei em um restaurante, na margem da estrada, e vi um casal de crianças, que deveriam ter entre 10 e 13 anos, sendo ela a mais velha, pedindo dinheiro. Perguntei ao garçom de onde eram aquelas crianças e ele disse que eram dali de perto e todas as noites eles vinham pedir dinheiro e a menina fazia programas com caminhoneiros. Esse programa custa entre R$ 5,00 e R$ 10,00, uma lata de salsicha, kitut ou outro alimento.

As escolas deviam funcionar em dois turnos com estudos e práticas de esportes. Dessa maneira os alunos não teriam tempo de sobra sem fazer nada. A educação da criança deveria ser voltada, principalmente, para os valores morais e éticos. No meu tempo, no programa escolar, existia uma matéria chamada civilidade. Era uma aula por semana e a professora também ensinava boas maneiras e como se comportar à mesa e em lugares com outras pessoas. Havia as matérias EMC- Educação Moral e Cívica e OSPB- Organização Social e Política Brasileira que preparavam os alunos do antigo ginásio para o futuro. As matérias abordavam assunto de educação, viver em sociedade, caráter, direitos e deveres do cidadão. Isso hoje não interessa aos políticos, pois quanto mais o cidadão sabe dos seus direitos menos vota nos corruptos. Naquele tempo não havia aprovação automática. O aluno só era aprovado se atingisse os pontos necessários nas provas de conhecimento. A copa se aproxima e nós vamos sediá-la. Isso vai servir para tornar o Brasil mais conhecido lá fora. Já imaginaram quanto dinheiro vai ser gasto e desviado nas construções e reformas dos estádios? Quanto dinheiro os corruptos vão colocar no bolso? Quantas escolas poderiam ser construídas com esse dinheiro? Infelizmente o pensamento político é exportar nossa cultura do país do futebol e do carnaval. As ONGs e associações de amparo e defesa de crianças e adolescente se multiplicam no Brasil, mas algumas são criticadas pelos políticos que influenciam seus eleitores a fazerem o mesmo. Quantos de nós não aprendemos assistindo o telecurso? Mas, muitos criticam que a televisão invade nossas casas e ensina coisas erradas aos nossos filhos. Ela está mostrando a realidade da vida que eles poderiam aprender na rua. Então cabe a nós controlarmos isso. No nosso tempo a criança hiperativa, que nós chamamos de trelosa, arteira, inquieta ou encapetada, gastava sua energia na labuta diária da roça. Eu era uma dessas. Logo cedinho eu ia ajudar na ordenha das vacas, separando bezerros, carregando baldes e depois levando o gado para o pasto. Depois disso ia para a escola. À tarde ia buscar o gado no pasto, enchiqueirava os bezerros, o vaqueiro botava ração e depois sobrava tempo para brincar, jogar bola, subir nas árvores para colher frutas e o banho de açude com a brincadeira da galinha d’água. Depois do jantar sobrava pouco tempo porque vinha o sono, devido ter gasto todas as energias, e a rede era o nosso paraíso, para no dia seguinte começar tudo de novo, acordando com o canto do galo e dos passarinhos no terreiro. Hoje não se pode fazer isso, pois os pais podem ser responsabilizados e punidos por colocarem os filhos para trabalhar. É aí que o estado teria seu papel fundamental: dar educação e ocupação para essas crianças. E o que estamos vendo hoje? Alunos desrespeitando professores, usando drogas, fazendo festas dentro das classes, com bebidas, e o diretor não pode fazer nada. Brigas, agressões e assassinatos dentro das escolas viraram rotina. Antigamente nós chamávamos o(a) professor(a) de professor(a), numa atitude de respeito, mas apareceu um inteligente que resolveu mudar o tratamento para tio(a), pois ficava mais aconchegante, mais íntimo. Daí começou a falta de respeito, motivada pela intimidade. Um amigo meu ensinava numa escola pública e, certo dia, quando chegou para dar aula foi barrado na porta. Em cima de sua mesa estavam um bolo, algumas garrafas de bebidas alcoólicas e refrigerantes. Os alunos disseram que naquele dia não haveria aula porque uma colega estava aniversariando e eles iriam comemorar. Ele foi avisar ao diretor e este disse que não poderia fazer nada. Meu amigo foi para casa e não deu aula naquele dia.

O governo construiu muitas escolas, mas funcionam precariamente e o ensino é de péssima qualidade. Enquanto os políticos não compreenderem que só através da educação básica é que se melhora a humanidade, a violência vai continuar campeando pelo mundo ceifando vidas preciosas ainda em tenra idade. Um prato de comida ajuda a matar a fome, mas não promove a dignidade da criatura. “Não dê apenas o peixe, ensine a pescar”. Eis um pensamento que resume tudo. Quando Jesus disse “- Vinde a mim as criancinhas, porque delas é o reino dos céus,” Ele já estava mostrando que é através das crianças que poderemos ter um mundo de Paz, Fraternidade e Harmonia.

“Eduquem as crianças e não será necessário castigar os adultos”. Há 2.500 anos que estas palavras ecoam pelos quatro cantos do universo. Enquanto estamos aqui, vendo a alegria das nossas crianças se divertindo e se alimentando, milhares delas, neste momento, estão nas ruas pedindo esmolas, se drogando, traficando, sofrendo maus tratos e sendo abusadas sexualmente por pessoas influentes, muitas com a conivência dos pais.

Que os homens de bem entendam isso e procurem melhorar a vida delas, para nosso futuro. Não vamos mais acreditar em promessas políticas; vamos agir votando em quem, realmente, tem compromissos com esses objetivos. Obrigado.

Palmas e abraços calorosos de agradecimento foram as manifestações dos presentes para o amigo. Depois disso se encaminharam para a bodega de Pedim a fim de celebrarem o encontro com um delicioso carneiro assado.

Petronilo

João Pessoa-PB, 12/10/10