quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Mortes sem armas de fogo.

Mortes  sem armas de fogo

Na minha infância aconteceram alguns fatos em Catolé, relacionados com morte. No caminho do Cajueiro, no corredor de seu Antonio Benjamim, tinha uma cruz na beira da estrada, conhecida como a cruz do finado Agostinho. Foi um dos crimes anunciados. Agostinho acusou um homem de ter roubado um dinheiro. O cidadão foi preso, torturado e depois foi solto por falta de provas. O dinheiro apareceu depois, pois o Agostinho tinha guardado em lugar e esquecido. O acusado jurou que o mataria e assim o fez. No sábado, que é dia de feira na cidade, o cidadão foi esperar Agostinho no corredor e quando este se aproximou ele sacou de uma faca e disse que tinha chegado a hora. Não adiantou Agostinho pedir perdão nem se desculpar. Foi morto com várias facadas.
O outro caso foi com o marido de Nevinha, irmã de Antonino do corrente, aquela que foi cozinheira do padre muitos anos. O marido dela teve uma briga com um moço chamado Assis e este também jurou vingança. O marido de Nevinha estava trabalhando numa reforma na igreja e, após o almoço, ele tirava uma soneca nos bancos da mesma. O Assis entrou, enquanto ele dormia, e cravou-lhe uma faca, que lhe atravessou o tórax e ficou espetada no banco. Esse banco foi retirado, pois ninguém queria mais sentar nele.
Outro foi no sítio, para o lado de Jericó. Um homem recebeu um dinheiro e foi para casa. Quando chegou perto de casa encontrou com um sujeito, que morava perto, e este, armado com uma foice, desferiu-lhe vários golpes, chegando a partir o braço em três pedaços. O corpo foi levado para Catolé e colocado no chão da sala da casa de Pedro Tenente, irmão de Teodomiro, pai de Carmem Lúcia e sogro de Marcos Benjamim, que morava na rua Benjamim Constant, onde hoje é o comércio de Antonio Irineu.
Um dos crimes que teve mais repercussão em Catolé foi o de Nezim de Pedro Soares. Nezim era solteiro e trabalhava numa sapataria, naqueles prédios pertinho da casa de Décio Rodrigues. Eu sempre via Pedro Soares chegar com o almoço dele, em dois pratos de ágata, emborcado um em cima do outro e amarrados num pano de prato. Num sábado ele recebeu o pagamento e foi beber. Encontrou com dois parceiros, Agildo de Chico Mendonça e Cherim de Bastião Grosso. Passaram o resto do dia bebendo, entraram pela noite e Nezim pagando tudo. Depois que a luz apagou, o que acontecia por volta das dez da noite, Nezim se despede dos companheiros e vai para casa. Aproveitando o escuro os dois acompanham Nezim, tomam o resto do dinheiro e o esfaqueiam. Nezim foi socorrido e levado para Caicó. Quando acordou e se viu no hospital, sem se lembrar de nada, levantou-se da cama e pulou uma janela, rompendo os pontos da cirurgia, provocando uma hemorragia e vindo a falecer. Esse crime foi o tema usado por muitos anos pelo Dr. Severino Maia, promotor em Catolé, que lembrava os nomes dos assassinos cruéis quando acusava outro criminoso de delito igual.
 Raimundo Grande era caminhoneiro e um dia deu uns tapas em Rocha, irmão de Bola Sete, que vivia bêbado nas ruas. No dia seguinte Rocha esteve na saboaria de Chico Sérgio, onde meu pai trabalhava, e pediu para amolar um trinchete (espécie de faca), pois em cima do tanque da saboaria tinha uma pedra que meu pai usava para amolar suas ferramentas. Ninguém sabia dos tapas que Rocha tinha levado, mas estranhou porque ele gastou tanto tempo para amolar o trinchete. Depois de ter afiado a arma saiu calado. No dia seguinte soubemos que ele deu uma facada em Raimundo Grande, na calçada da casa de peças na esquina de Seu Granjeiro e fugiu por dentro do sítio de Chico Sérgio, sumindo para sempre. Eu fui ver Raimundo, deitado numa rede no hotel de Zé Amâncio, vendo-se o furo da arma do lado direito de sua barriga, ainda vivo e gemendo. Como a medicina da época era precária, ele morreu antes de ser socorrido.
Totinha, sobrinho de Antonio Pedra, antigo dono do hotel de Seu Arnaud, vivia pelas casas de jogos nos mesmos prédios junto de Décio, na rua Marechal Deodoro. Diziam que ele tinha um caso com a esposa de Mané Piancó e falava abertamente do tal romance, até na presença do marido traído. Várias vezes ele saía, olhava para Mané e dizia: - Tá na hora de ir, mas antes vou passar na casa dela! Com isso Mané foi alimentando o ódio e numa noite Totinha estava deitado numa preguiçosa (cadeira de balanço) e Mané aplicou-lhe uma tremenda cacetada com uma trave da porta, matando-o.
            Por que eles não cometeram esses crimes com arma de fogo? Certamente nenhum deles tinha. A falta da arma de fogo evitou os crimes? Não, pois os mesmos não estavam nas armas, mas nas cabeças dos assassinos.
Meu pai trabalhava na fábrica de Chico Sérgio, por trás da casa dele, e eu passava a maior parte do dia lá. Num sábado eu fui buscar umas tabuas velhas, cortadas em gravetos, para acender o fogo de carvão e lenha lá de casa. Fogão a gás ninguém conhecia. Quando eu vinha de volta, passando em frente à loja de Zezim Diogo, na esquina da rua Marechal Deodoro com Floriano Peixoto,  havia um tumulto na casa dele. Várias pessoas o segurando e ele desesperado chorando muito. Quando perguntei o que havia disseram que Iracema, a esposa dele, tinha se enforcado no banheiro e ainda estava lá pendurada. Corri para casa para avisar minha mãe. Por que Iracema não se suicidou com um tiro no ouvido? Certamente que Zezim tinha uma arma em casa, pois todo comerciante, na época, tinha. Dizem que sem arma de fogo em casa poderia se evitar suicídio. E por que não evitou esse e muitos outros que temos conhecimento, inclusive os mais recentes de João Barreto e o Filho de Antonio João? Dizem que com o desarmamento diminuiu o suicídio por armas de fogo, mas aumentou por outros meios. O marido de minha prima Zilá, em Alexandria, se matou com uma facada no peito. Ele não tinha arma de fogo em casa, o que não evitou a tragédia.
Meu pai sempre teve uma arma em casa e me ensinou a atirar. Quando eu tinha uns 12 anos ele me deu uma espingarda soca-soca, para caçar. Eu tinha o maior cuidado com ela e sempre que chegava em casa, da caçada, descarregava para guardar, para evitar que alguém provocasse um acidente. Eu tenho uma arma em casa, registrada, e nunca meus filhos pegaram nela, pois eu lhes proibi e a escondia onde eles não pudessem encontrar. O único, dos três filhos, que pegou foi o mais novo, mas depois que começou a trabalhar na polícia civil e precisou fazer um curso de tiro, com minha autorização. Não fiz nenhuma recomendação porque ele havia servido ao exército, como aspirante, e estava acostumado a manejar armas. Hoje ele tem uma em casa, cedida pela secretaria de segurança. Eu sempre tive contato com armas, mas nunca atirei em ninguém. Quando criança eu resolvia minhas questões no tapa, mas depois de crescido descobri que o diálogo é muito melhor, e isso passei para meus filhos. Tirar a minha arma vai fazer alguma diferença na criminalidade? Claro que não, pois não sou traficante, assassino nem pistoleiro, mas na mão de um bandido ela faz uma grande diferença. Alguém pode dizer: - Ah, mas naquele tempo era mais difícil se comprar uma arma de fogo!. Então vamos passar para o tempo de hoje.
            Há pouco tempo estava havendo uma festa familiar numa casa no bairro de Manaíra, aqui em João Pessoa, quando dois assaltantes entraram na casa e renderam todo mundo. Um dos assaltantes se descuidou e saiu até a calçada, foi quando um dos moradores fechou o portão. A partir daí pegaram o outro assaltante, que era menor, e o mataram a pauladas, socos e pontapés. Por que não o prenderam e chamaram a polícia? Talvez motivados pela impunidade, sabendo que o assaltante era menor e não ficaria na cadeia.
No bairro do Rangel uma família foi morta por um casal, a golpes de facão. Mataram o casal e vários filhos, sendo que a mulher estava grávida.
Minha gente, o crime não vai diminuir com a apreensão das armas do cidadão de bem. Vocês viram o que disseram autoridades do mundo? Disseram que a guerra contra as drogas estava perdida. Então estamos todos perdidos, pois o Brasil é a maior rota do tráfico internacional, sendo que a maior parte do consumo fica aqui mesmo. Estamos cercados de países produtores de drogas. Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela, de cocaína e o Paraguai de maconha, sem contar que é pelas fronteiras desses países que entram todas as armas usadas no crime. A polícia trabalha diuturnamente no combate mas, sem recursos para isso, ficam sempre atrás dos criminosos. O pior é que a justiça também contribui para armar os criminosos. Nos últimos dez anos já foram furtadas, dos fóruns, mais de dez mil armas. Onde elas foram parar? Por que essas armas passam tanto tempo nos cartórios, anexas a processos? Elas deviam ser catalogadas e destruídas imediatamente, só assim não voltariam ao crime. Imagine você entregar sua arma e depois ela ser apreendida na mão de um criminoso? Todos os dias vemos na mídia: “Bandidos fortemente armados invadiram a casa de uma família, um escritório, um banco, a cidade, etc. Na cidade só tinham dois policiais, sem viatura e apenas com revolver 38.” A marcha da maconha está aí com muitos adeptos, com a conivência e autorização do poder público e políticos, inclusive ex-presidente e ministros de estado. A única solução vai ser o investimento maciço na educação infantil. É a partir do ensino fundamental que se começa a fixar na mente das crianças o que é o certo e o errado. Por que os políticos não investem nisso? Porque eleitor analfabeto é eleitor fiel. Por que não era permitido aos escravos frequentar escola e aprender a ler? Porque eles aprenderiam o que era lei e direitos e aí cobrariam dos seus donos. O primeiro país do mundo em armas nas mãos dos cidadãos é, e não há surpresa nisto, os Estados Unidos, com 90 armas por 100 mil civis. O Brasil ocupa um modestíssimo vigésimo quinto lugar com nove armas por 100 mil civis. O interessante de se notar é que os países europeus, de modo geral bastante restritivos à posse de armas por seus cidadãos, tem seis países (Finlândia, Suíça, França, Suécia, Grécia e Áustria) entre os dez primeiros do ranking. E a Grécia, a última do ranking dos dez, tem duas vezes e meia mais armas por cidadão do que o Brasil. A Nigéria é um dos países onde tem menos armas por cidadão. Onde a pessoa está mais segura andando pelas ruas, em Lagos, na Nigéria ou em Zurique na Suíça? Essa balela de que eu só leio um lado é desculpa de analfabeto midiático que usa jornal em lugar de papel higiênico. Que acusa a imprensa de golpista e manipulada quando mostram a realidade dos fatos. Vamos deixar de hipocrisia e cobrar dos políticos uma reforma na educação, para que tenhamos escolas de qualidade para as crianças e leis mais severas para os criminosos.