Mortes
sem armas de fogo
Na minha infância aconteceram alguns fatos em
Catolé, relacionados com morte. No caminho do Cajueiro, no corredor de seu
Antonio Benjamim, tinha uma cruz na beira da estrada, conhecida como a cruz do
finado Agostinho. Foi um dos crimes anunciados. Agostinho acusou um homem de
ter roubado um dinheiro. O cidadão foi preso, torturado e depois foi solto por falta
de provas. O dinheiro apareceu depois, pois o Agostinho tinha guardado em lugar
e esquecido. O acusado jurou que o mataria e assim o fez. No sábado, que é dia
de feira na cidade, o cidadão foi esperar Agostinho no corredor e quando este
se aproximou ele sacou de uma faca e disse que tinha chegado a hora. Não
adiantou Agostinho pedir perdão nem se desculpar. Foi morto com várias facadas.
O outro caso foi com o marido de Nevinha, irmã
de Antonino do corrente, aquela que foi cozinheira do padre muitos anos. O
marido dela teve uma briga com um moço chamado Assis e este também jurou
vingança. O marido de Nevinha estava trabalhando numa reforma na igreja e, após
o almoço, ele tirava uma soneca nos bancos da mesma. O Assis entrou, enquanto
ele dormia, e cravou-lhe uma faca, que lhe atravessou o tórax e ficou espetada
no banco. Esse banco foi retirado, pois ninguém queria mais sentar nele.
Outro foi no sítio, para o lado de Jericó. Um
homem recebeu um dinheiro e foi para casa. Quando chegou perto de casa
encontrou com um sujeito, que morava perto, e este, armado com uma foice,
desferiu-lhe vários golpes, chegando a partir o braço em três pedaços. O corpo
foi levado para Catolé e colocado no chão da sala da casa de Pedro Tenente,
irmão de Teodomiro, pai de Carmem Lúcia e sogro de Marcos Benjamim, que morava
na rua Benjamim Constant, onde hoje é o comércio de Antonio Irineu.
Um dos crimes que teve mais repercussão em
Catolé foi o de Nezim de Pedro Soares. Nezim era solteiro e trabalhava numa
sapataria, naqueles prédios pertinho da casa de Décio Rodrigues. Eu sempre via
Pedro Soares chegar com o almoço dele, em dois pratos de ágata, emborcado um em
cima do outro e amarrados num pano de prato. Num sábado ele recebeu o pagamento
e foi beber. Encontrou com dois parceiros, Agildo de Chico Mendonça e Cherim de
Bastião Grosso. Passaram o resto do dia bebendo, entraram pela noite e Nezim
pagando tudo. Depois que a luz apagou, o que acontecia por volta das dez da
noite, Nezim se despede dos companheiros e vai para casa. Aproveitando o escuro
os dois acompanham Nezim, tomam o resto do dinheiro e o esfaqueiam. Nezim foi
socorrido e levado para Caicó. Quando acordou e se viu no hospital, sem se
lembrar de nada, levantou-se da cama e pulou uma janela, rompendo os pontos da
cirurgia, provocando uma hemorragia e vindo a falecer. Esse crime foi o tema
usado por muitos anos pelo Dr. Severino Maia, promotor em Catolé, que lembrava
os nomes dos assassinos cruéis quando acusava outro criminoso de delito igual.
Raimundo
Grande era caminhoneiro e um dia deu uns tapas em Rocha, irmão de Bola Sete,
que vivia bêbado nas ruas. No dia seguinte Rocha esteve na saboaria de Chico
Sérgio, onde meu pai trabalhava, e pediu para amolar um trinchete (espécie de
faca), pois em cima do tanque da saboaria tinha uma pedra que meu pai usava para
amolar suas ferramentas. Ninguém sabia dos tapas que Rocha tinha levado, mas
estranhou porque ele gastou tanto tempo para amolar o trinchete. Depois de ter
afiado a arma saiu calado. No dia seguinte soubemos que ele deu uma facada em
Raimundo Grande, na calçada da casa de peças na esquina de Seu Granjeiro e
fugiu por dentro do sítio de Chico Sérgio, sumindo para sempre. Eu fui ver
Raimundo, deitado numa rede no hotel de Zé Amâncio, vendo-se o furo da arma do
lado direito de sua barriga, ainda vivo e gemendo. Como a medicina da época era
precária, ele morreu antes de ser socorrido.
Totinha, sobrinho de Antonio Pedra, antigo dono
do hotel de Seu Arnaud, vivia pelas casas de jogos nos mesmos prédios junto de
Décio, na rua Marechal Deodoro. Diziam que ele tinha um caso com a esposa de
Mané Piancó e falava abertamente do tal romance, até na presença do marido
traído. Várias vezes ele saía, olhava para Mané e dizia: - Tá na hora de ir,
mas antes vou passar na casa dela! Com isso Mané foi alimentando o ódio e numa
noite Totinha estava deitado numa preguiçosa (cadeira de balanço) e Mané
aplicou-lhe uma tremenda cacetada com uma trave da porta, matando-o.
Por
que eles não cometeram esses crimes com arma de fogo? Certamente nenhum deles
tinha. A falta da arma de fogo evitou os crimes? Não, pois os mesmos não
estavam nas armas, mas nas cabeças dos assassinos.
Meu pai trabalhava na fábrica de Chico Sérgio,
por trás da casa dele, e eu passava a maior parte do dia lá. Num sábado eu fui
buscar umas tabuas velhas, cortadas em gravetos, para acender o fogo de carvão
e lenha lá de casa. Fogão a gás ninguém conhecia. Quando eu vinha de volta,
passando em frente à loja de Zezim Diogo, na esquina da rua Marechal Deodoro
com Floriano Peixoto, havia um tumulto
na casa dele. Várias pessoas o segurando e ele desesperado chorando muito.
Quando perguntei o que havia disseram que Iracema, a esposa dele, tinha se
enforcado no banheiro e ainda estava lá pendurada. Corri para casa para avisar
minha mãe. Por que Iracema não se suicidou com um tiro no ouvido? Certamente
que Zezim tinha uma arma em casa, pois todo comerciante, na época, tinha. Dizem
que sem arma de fogo em casa poderia se evitar suicídio. E por que não evitou
esse e muitos outros que temos conhecimento, inclusive os mais recentes de João
Barreto e o Filho de Antonio João? Dizem que com o desarmamento diminuiu o
suicídio por armas de fogo, mas aumentou por outros meios. O marido de minha
prima Zilá, em Alexandria, se matou com uma facada no peito. Ele não tinha arma
de fogo em casa, o que não evitou a tragédia.
Meu pai sempre teve uma arma em casa e me
ensinou a atirar. Quando eu tinha uns 12 anos ele me deu uma espingarda
soca-soca, para caçar. Eu tinha o maior cuidado com ela e sempre que chegava em
casa, da caçada, descarregava para guardar, para evitar que alguém provocasse
um acidente. Eu tenho uma arma em casa, registrada, e nunca meus filhos pegaram
nela, pois eu lhes proibi e a escondia onde eles não pudessem encontrar. O
único, dos três filhos, que pegou foi o mais novo, mas depois que começou a
trabalhar na polícia civil e precisou fazer um curso de tiro, com minha
autorização. Não fiz nenhuma recomendação porque ele havia servido ao exército,
como aspirante, e estava acostumado a manejar armas. Hoje ele tem uma em casa,
cedida pela secretaria de segurança. Eu sempre tive contato com armas, mas
nunca atirei em ninguém. Quando criança eu resolvia minhas questões no tapa,
mas depois de crescido descobri que o diálogo é muito melhor, e isso passei
para meus filhos. Tirar a minha arma vai fazer alguma diferença na
criminalidade? Claro que não, pois não sou traficante, assassino nem pistoleiro,
mas na mão de um bandido ela faz uma grande diferença. Alguém pode dizer: - Ah,
mas naquele tempo era mais difícil se comprar uma arma de fogo!. Então vamos
passar para o tempo de hoje.
Há
pouco tempo estava havendo uma festa familiar numa casa no bairro de Manaíra, aqui
em João Pessoa, quando dois assaltantes entraram na casa e renderam todo mundo.
Um dos assaltantes se descuidou e saiu até a calçada, foi quando um dos
moradores fechou o portão. A partir daí pegaram o outro assaltante, que era
menor, e o mataram a pauladas, socos e pontapés. Por que não o prenderam e
chamaram a polícia? Talvez motivados pela impunidade, sabendo que o assaltante
era menor e não ficaria na cadeia.
No bairro do Rangel uma família foi morta por um
casal, a golpes de facão. Mataram o casal e vários filhos, sendo que a mulher
estava grávida.
Minha gente, o crime não vai diminuir com a
apreensão das armas do cidadão de bem. Vocês viram o que disseram autoridades
do mundo? Disseram que a guerra contra as drogas estava perdida. Então estamos
todos perdidos, pois o Brasil é a maior rota do tráfico internacional, sendo
que a maior parte do consumo fica aqui mesmo. Estamos cercados de países
produtores de drogas. Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela, de cocaína e o
Paraguai de maconha, sem contar que é pelas fronteiras desses países que entram
todas as armas usadas no crime. A polícia trabalha diuturnamente no combate mas,
sem recursos para isso, ficam sempre atrás dos criminosos. O pior é que a
justiça também contribui para armar os criminosos. Nos últimos dez anos já
foram furtadas, dos fóruns, mais de dez mil armas. Onde elas foram parar? Por
que essas armas passam tanto tempo nos cartórios, anexas a processos? Elas
deviam ser catalogadas e destruídas imediatamente, só assim não voltariam ao
crime. Imagine você entregar sua arma e depois ela ser apreendida na mão de um
criminoso? Todos os dias vemos na mídia: “Bandidos fortemente armados invadiram
a casa de uma família, um escritório, um banco, a cidade, etc. Na cidade só
tinham dois policiais, sem viatura e apenas com revolver 38.” A marcha da
maconha está aí com muitos adeptos, com a conivência e autorização do poder
público e políticos, inclusive ex-presidente e ministros de estado. A única
solução vai ser o investimento maciço na educação infantil. É a partir do
ensino fundamental que se começa a fixar na mente das crianças o que é o certo
e o errado. Por que os políticos não investem nisso? Porque eleitor analfabeto
é eleitor fiel. Por que não era permitido aos escravos frequentar escola e
aprender a ler? Porque eles aprenderiam o que era lei e direitos e aí cobrariam
dos seus donos. O primeiro país do mundo em armas nas mãos dos cidadãos é, e
não há surpresa nisto, os Estados Unidos, com 90 armas por 100 mil civis. O
Brasil ocupa um modestíssimo vigésimo quinto lugar com nove armas por 100 mil
civis. O interessante de se notar é que os países europeus, de modo geral
bastante restritivos à posse de armas por seus cidadãos, tem seis países
(Finlândia, Suíça, França, Suécia, Grécia e Áustria) entre os dez primeiros do
ranking. E a Grécia, a última do ranking dos dez, tem duas vezes e meia mais
armas por cidadão do que o Brasil. A Nigéria é um dos países onde tem menos
armas por cidadão. Onde a pessoa está mais segura andando pelas ruas, em Lagos,
na Nigéria ou em Zurique na Suíça? Essa balela de que eu só leio um lado é
desculpa de analfabeto midiático que usa jornal em lugar de papel higiênico.
Que acusa a imprensa de golpista e manipulada quando mostram a realidade dos
fatos. Vamos deixar de hipocrisia e cobrar dos políticos uma reforma na
educação, para que tenhamos escolas de qualidade para as crianças e leis mais
severas para os criminosos.